lunes, 10 de diciembre de 2007

Segunda Carta Aberta aos Presidentes

Aos Senhores Presidentes da Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai, Venezuela,


Por um Banco do Sul orientado para uma matriz soberana, solidária, sustentável e integradora para o desenvolvimento do continente.


Por segunda vez, nos dirigimos aos senhores para expressar a enorme expectativa que existe em nossos povos pela iniciativa da criação do Banco do Sul. Anima-nos, também a resposta positiva de novos países da América do Sul, que manifestaram seu desejo de participar nessa iniciativa.

Os assinantes, somos redes, organizações e movimentos sociais, sindicatos e acadêmicas/os que vimos lutando contra o flagelo da dívida pública ilegítima e das políticas e práticas perversas das instituições financeiras internacionais e do atual sistema de comércio mundial. Estamos convencidas/os de que a decisão tomada de criar o Banco do Sul pode representar um enorme passo e uma oportunidade não somente para a América do Sul, mas para a América Latina e Caribe, e também para outras regiões do Hemisfério Sul.

Vimos de uma história recente de luta contra as ditaduras em quase todo o continente. Isto explica nosso empenho em abrir e instituir novos espaços de participação e de democracia direta. No entanto, a forma pouco transparente e não participativa como vêm se desenvolvendo as negociações para a criação do Banco do Sul, sem debate público e sem consulta às nossas sociedades, pode indicar que estamos frente a algo que pode repetir o que já existe.

Estamos convictos de que uma nova entidade financeira Sul-Sul deve orientar-se para superar tanto as experiências negativas de abertura econômica -com a seqüela de sempre mais endividamento e drenagem de capitais-, desregulação e privatização do patrimônio público e dos serviços básicos sofridos pela região, bem como dos já amplamente conhecidos comportamentos não-democráticos, não transparentes, regressivos e desacreditados dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial, o CAF, o BID e o FMI. Nossa história recente tem mostrado que suas opções de política econômica e sócio-ambiental, impostas aos nossos governos através de condicionantes têm resultado em descapitalização e desindustrialização das economias da região, aprisionando-as ao modelo agro-mineral-exportador, que freia seu desenvolvimento e aprofunda a situação subalterna às economias do Norte, as ineqüidades sociais, os danos ecológicos e as dívidas ‘eternas’ -financeira, histórica, social, cultural, ecológica.
Conhecendo a importância de que os países comprometidos até agora com a criação do Banco do Sul cheguem a um acordo sobre temas-chave relacionados com sua natureza e objetivos, sua estrutura financeira e operativa, cremos essencial propor-lhes as seguintes questões, que expressam as aspirações de amplos setores das sociedades de nossos países, de acordo com a manifesta expressão de seus principais agentes sociais consultados:

1. Que o Banco do Sul se oriente a promover uma nova matriz de desenvolvimento, cujos valores fundamentais sejam a soberania de nossos povos sobre seu território e seu próprio desenvolvimento; a autodeterminação responsável de nossas políticas econômicas e sócio-ambientais; a solidariedade, a sustentabilidade e a justiça ecológica; que o Banco, o desenvolvimento econômico e tecnológico sejam concebidos como meios para o objetivo superior que é o desenvolvimento humano e social;

2. Que a ação do Banco do Sul seja determinada por metas concretas, como o pleno emprego com dignidade, a garantia da alimentação, a saúde e a habitação; a universalização da educação básica pública e gratuita; a redistribuição da riqueza, superando ineqüidades, inclusive as de gênero e etnia; a redução das emissões de gases e a eliminação de seus impactos sobre as populações do continente e sobre os demais povos do Sul.

3. Que o Banco do Sul seja parte integral de uma nova arquitetura financeira latino-americana e caribenha, que inclua um Fundo do Sul com função de Banco Central Continental capaz de articular um grande sistema de pagamentos com a mais avançada plataforma telemática; capaz de ligar as políticas que promovem a estabilidade macroeconômica com as políticas de desenvolvimento e de redução das assimetrias estruturais; e contemple o desenvolvimento futuro de um sistema monetário comum a serviço de uma estratégia de fortalecimento de laços econômico-comerciais no interior da região, introduzindo intercâmbios com moedas nacionais e trabalhando pelo estabelecimento de uma moeda regional pelo menos para os intercâmbios intra-regionais. A construção de um espaço de soberania monetária e financeira supranacional requer dotar-se de muita flexibilidade local para evitar tentações sub-imperialistas e o triunfo da ortodoxia monetarista em certos aspectos, como na experiência européia recente.

4. Que o Banco do Sul sirva para recuperar valores relativos às dívidas histórica, social e ecológica, das quais nossos povos são acreedores. Que seus financiamentos busquem superar as assimetrias e desigualdades sociais e os danos ambientais que têm sido perpetuados há mais de cinco séculos no continente.

5. Que o Banco do Sul contemple a participação das organizações cidadãs e os movimentos sociais não somente na elaboração de sua arquitetura original, mas também na tomada de decisões financeiras e operacionais e no monitoramento da utilização dos fundos adjudicados.

6. Que o Banco do Sul exerça sua direção de forma igualitária entre os países membros, institucionalizado e mantendo o princípio igualitário de "um sócio, um voto", em todos seus níveis de decisão colegiada e aspire a canalizar os recursos de poupança da própria região.

7. Que as carteiras de capital do Banco do Sul sejam proporcionais à capacidade das economias de seus países membros; que outras fontes de capitalização do Banco do Sul incluam parte das reservas internacionais e empréstimos dos países membros, impostos comuns e doações. Devem ser excluídos os recursos financeiros das atuais instituições financeiras multilaterais e de Estados que perpetraram o saqueio de nosso continente. Que estes dispositivos do Banco do Sul permitam o aumento crescente da aplicação das reservas dos países membros fora da área de influência do dólar e do euro e alentem o retorno dos capitais nacionais depositados no exterior.

8. Que o Banco do Sul esteja comprometido com a transparência na gestão, prestando contas públicas de seu funcionamento e atividade; submetendo-se à auditoria externa permanente de seus empréstimos e de seu funcionamento interno, com participação social.

9. Que, para que o Banco do Sul não seja "igual aos demais" pondere-se, de forma permanente, a qualidade, a austeridade e a eficiência da administração, proibindo qualquer privilégio de imunidade a seus funcionários; afirmada na mais plena transparência informativa em tempo real e o controle democrático e social da gestão. Para evitar gastos excessivos e desvios burocráticos, que se constitua um corpo de funcionárias/os compacto e, ao mesmo tempo, diversificado, eficiente, eficaz e administrativamente polivalente.

10. Que os empréstimos sejam destinados à promoção de uma integração regional genuinamente cooperativa, baseada em princípios como a subsidiaridade ativa, a proporcionalidade e a complementaridade, financiando projetos de investimentos públicos, atendendo ao desenvolvimento local autogestionário e impulsionando o intercâmbio comercial eqüitativo e solidário entre agricultores familiares, pequenos produtores, setor cooperativo e de economia social solidária, comunidades indígenas e tradicionais, organizações sócio-econômicas de mulheres, de pescadores, de trabalho, de identidade, etc.

11. Que o Banco do Sul adote como prioridade de investimento projetos que orientam a soberania alimentar e energética, investigação e desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao desenvolvimento endógeno e sustentável da região, inclusive de softwares livres; a produção programada e complementar de medicamentos genéricos; a recuperação dos saberes ancestrais de nossos povos, sistematizando-os e aceitando-os como ciência agroecológica; a promoção da justiça ambiental; o fortalecimento dos serviços públicos; o apoio às vítimas de deslocamentos forçados; o fomento da comunicação e da cultura intra-regional; a criação de uma Universidade do Sul e um sistema de equivalência de diplomas em toda a região; e a infra-estrutura a partir de outras lógicas de organização do espaço, que municiem as comunidades com instrumentos para o desenvolvimento local autogestionário e solidário. Que o Banco do Sul não reproduza o modelo de financiamento das atuais instituições financeiras internacionais de construção de mega-obras destrutivas do meio-ambiente e da biodiversidade.

12. O Banco do Sul deve ser considerado como uma ferramenta essencial para custodiar e canalizar a poupança, rompendo os ciclos recorrentes de exação do esforço nacional e regional através de manobras e negociações com o endividamento e títulos públicos, o subsídio a grupos econômicos e financeiros privados privilegiados e/ou corruptos locais e internacionais e o aval permanente a movimentos especulativos de entrada e saída de capitais.

Entendemos tudo isso na mesma linha do que foi destacado pela Declaração Ministerial de Quito, de 3 de Maio passado, ao assinalar que: "Os povos deram a seus governos os mandatos para dotar a região de novos instrumentos de integração para o desenvolvimento que devem basear-se em esquemas democráticos, transparentes, participativos e responsáveis antes seus mandantes".

Preocupam-nos as sucessivas postergações da assinatura da ata de fundação, que podem indicar a existência de indefinições significativas. Esperamos que nas negociações para superar essas indefinições, as proposições desta Carta sejam levadas em consideração.

A atual conjuntura econômica e financeira regional e internacional continua favorável para dar passos concretos nesse sentido; porém, pode não ter continuidade. Confiamos que vocês aproveitarão esta possibilidade histórica para criar o que poderá tornar-se um verdadeiro Banco Solidário dos Povos do Sul.

Saudações.

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